Sexta-Feira, 14 de Novembro de 2025

ARTIGO: Alegria sertaneja

Publicado em 10/12/2014
Por Marta Soares
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Ao amigo José Ribamar Garcia

Acordei no meio da madrugada com o ronco do trovão. Aquele barulho grave, distante, avisando que a chuva ia chegar.  Ao amanhecer do dia, no escancarar da porta da cozinha, a marca da invernada. A caixa d’agua transbordando. A água dançando no tronco da bananeira. A saparia em cantoria manifestava sublimemente a presença da ilustre convidada. “Mãe, estar chovendo!”, gritou a criança saltitante, banhada de alegria.

“Quero olhar as águas!” O riacho em correnteza barrenta, a encosta da estrada acumulada em amarelo pardo, o barreiro do Quarenta com o fundo sufocado. A água não respeita a intervenção do homem no leito dos rios. As Passagens Molhadas são lavadas de lado a lado. Quer atravessar para a outra margem? Tem que arriscar a ser arrastado pelo volume que desce cabeça a baixo.

“Para vir à feira, a água alcançou a metade do pneu da moto. Tive medo de cair. Mas consegui atravessar”, comemora, com um sorriso nos olhos, um morador das terras encharcadas de uma localidade distante. João da Verdura disse que chegou ao mercado junto com a chuva. Ela o acompanhou durante todo o trajeto que lhe trouxera para o ponto onde comercializaria o cheiro verde, a pimentinha e a cebolinha de fio. “Estou aqui completamente molhado, mas feliz”. O movimento na Feira das Frutas estava pequeno. Os consumidores preferiram ficar mais um pouco na cama e curtir a frieza da manhã chuviscante que marca o inicio do outono.

Num sábado de feira molhada, o feijão maduro, ainda na vagem, estava organizado em molho; o seco e debulhado, em litro; as espigas de milho, em trança. No acúmulo de melancia partida, a cor vermelha chamava a atenção: “Deve ser docinha!”, alertou um admirador. A abóbora, o jerimum e o maxixi também ocupavam o tablado à disposição dos clientes. Ao lado, uma vendedora anunciava a chegada do queijo, da manteiga e da nata. “Cheguei agora porque a chuva foi forte lá pras bandas dos Porcos. Quase que não ultrapasso os atoleiros. Tinha água e lama por toda a estrada”. E anunciou seus produtos: “Vamos comprar minha gente! É manteiga da terra. A Semana Santa estar chegando. Vamos aproveitar!”  

O tempo carregado de chuva transforma a rotina do sertanejo. A vida se torna mais viva. Os rostos debulhados pelos ditames do Sol se mostram rejuvenescidos, lavados, enxaguados, nutridos pelos pingos que vem do alto e adentram na alma esturricada, porém transparente, iluminada, sedenta de sede e de alegria, daqueles que esperam, dia após dia, um milagre acontecer.   

Francisco de Assis Sousa é professor e cronista. Mestrando em Ciência da Educação pela Universidade Lusófona de Lisboa-Portugal. Email: frassis88@hotmail.com

 

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