Sempre apreciei, com olhos de ócio criativo, tomando de empréstimo termo de Domenico De Masi, a filmes que aumentam a massa cinzenta cerebral, a exemplo do fenomenal e espetacular “O Silêncio dos Inocentes”, em que se vê o esculápio canibal, Doutor Hannibal Lecter, que, antes, e mesmo depois, de ser encarcerado por seus crimes, auxiliava o FBI na análise de perfis psicológicos de psicopatas assassinos com o escopo de contribuir para segregação de tais criminosos.
Confesso que, entre diversos ensinamentos do sábio Dr. Hannibal Lecter, no filme supracitado, um furtou-me em especial a atenção, causando-me espanto e reflexão, quando disse ele que o primeiro passo para o desejo é a sensibilização do sentido da visão. Deveras, só se cobiça algo que nos encanta os olhos, prendendo-se estes no objeto que nos provoca encanto e desvelo, e o contrário disso, a toda evidência, nos faz fechar e desviar, incontinenti, nossa visão.
Quantas mulheres de formas e curvas estonteantes, como lembra o cito esculápio, não percebem, diuturnamente, olhos mil perseguindo e aferindo cada ângulo dessas ninfas, esculpidos com cinzel conduzido por mãos da natureza dadivosa. Mas, por sorte dessas agraciadas, o processo de socialização por que passa cada homem e mulher, no desenvolvimento da moral, internalizando regras de conduta, refreia o impulso animal-primitivo da natureza humana, que fora denominado de ID por Sigmund Freud.
É cediço que alguns homens, sensibilizados pelo sentido da visão ante uma forma que lhe faz despertar sua libido, deixam extravasar os impulsos naturais animalescos já acima expendidos, tomando eles de assalto os encantos e prazeres que somente devem ser concedidos por cada um de nós de forma graciosa e por liberalidade. Felizmente, para preservar a higidez social, o Estado, por meio de seu aparato de segurança, é acionado sempre que tal se sucede, fazendo com que esses indivíduos resistentes ao acolhimento das regras de respeito ao próximo sejam defenestrados da sociedade.
Atando todo o raciocínio num único nó, concluo que o desejo exsurge em nós a partir do sentido da visão, reforçado, naturalmente, pelo combustível dos outros sentidos humanos. Logo vejo, salvo melhor juízo, que a sociedade hodierna, motivada pela superexposição cotidiana à propaganda comercial midiática, passa por um comportamento hedonista, fazendo de nós, como disse Carlos Drummond de Andrade, num “EU, ETIQUETA”.
E mais ainda, tal como asseverou Sartre certa feita que “O inferno são os outros”, penso que, para arrefecer a dor existencial (inveja) de não possuir o objeto alheio, o único meio é conseguir um igual ou semelhante. No entanto, a fome do desejo é inextinguível, posto que, uma vez saciada, uma outra assume o seu lugar, iniciando todo o processo que nos causa dor e sofrimento. Portanto, a partir dessa consideração, infiro que o estômago do desejo está sempre sequioso e ávido de saciedade.
Imagino, também, que a sociedade atual, que experimenta um afrouxamento da moral antes existente na sociedade rústica e patriarcal brasileira, a qual era alicerçada em sólidos valores de respeito e de hierarquia, amalgamada, também, pelo império da moral religiosa (freio inibitório do comportamento), foi atacada na sua base (família), quando esta veio habitar em terrenos movediços das cidades, onde os estímulos dos desejos são recrudescidos de forma brutal através das propagandas consumeristas.
Desejar, como é sabido, causa sofrimento. O homem de comportamento conforme a moral, quando anseia algo e não obtém, sofre, mas não fere o seu semelhante. Ao contrário disso, o homem amoral, se não alcança nem vê atendido o seu desiderato, ataca os seus pares, ferindo-os e, às vezes, até mesmo ceifando suas vidas (explosão da violência).
Em assim sendo, vejo que a causa de todo o caos social, de agora, que reina e sufoca o Brasil inteiro, transmutando cada um de nós na figura perplexa e atônita de O Grito, de Edvard Munch, reside no desejo que a vida hedonista desperta no homo sapiens, que mais parece, hoje, homo desideratus (homem desejo).
ANTONIO MADSON VIEIRA DE OLIVEIRA – SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL – LOTADO EM PICOS-PI