O sertanejo amanheceu aos pulos, cantando e dançando. Há tempos que não sentia tamanha alegria. Há tempos que não era convidado para uma festa tão bonita. Foram meses de profunda tristeza, agonia, mas de confiante espera. Os primeiros sinais que ela viria foram dados por volta das três da madrugada. O despertar foi com o ronco das trovoadas leves, macias, quase que silenciosas. Quando a água chegou, já aguardava de braços abertos.
Os pingos, em choque com o telhado, corriam pelas biqueiras para alagar o fundo das cisternas, há pouco fincadas no chão, porém vazias, de bocas secas de sede. De olhar arregalado e com o coração sorrindo, com um misto de espanto e bem estar, o caboclo olhou da janela e se banhou. Precisava conferir se aquilo era verdade, pois, antes de se recolher, na “boca da noite”, olhou para o céu, e a marca das estrelas era o que mais se apresentava. Agora, a água escorria pelos riachos “cabeça a baixo”, arrastando gravetos, transbordando “passagens molhadas” e derrubando cercas, que tentavam, em vão, bloquear o seu curso.
Foi preciso sair na chuva, em plena madrugada, para retirar a tampa da caixa d’agua que antes só ganhava volume quando adquirida via carro pipa, oriunda dos poços artesianos. “Para Deus nada é impossível!”, bradou uma voz ciente da misericórdia divina. No alvorecer da aurora, crianças saíram a bailar, “cantando na chuva”, a receber os pingos frios que lavavam o corpo e aqueciam a alma. Para os adultos, a vontade era de olhar se os reservatórios haviam ganhado força; outros preferiram ficar na cama até mais tarde. Não é todo dia que se tem a oportunidade de viver uma manhã suave, longe do calor que castigou os últimos dias, sem o Sol que se apresentava rasgando o couro da testa.
No portão das escolas, alguns estudantes chegaram no horário marcado; os demais, muitos nem sequer vieram, outros chegaram atrasados. Até o motorista do ônibus escolar caiu da cama mais tarde, “ainda não chegou!”, afirmou a Diretora que também aportou depois da hora. Nos campos, os pássaros saíram em ziguezague, batendo palmas no ar, em sinal de louvor. “Daqui a oito dias, a caatinga estará vestida de esperança, outra vez”.
A chuva é um alento para os que habitam o semiárido. É a chave que deságua a alegria, faz brotar o sonho, substância essencial para manter a vida em trânsito. Caetano Veloso, no final da década de 60, com sua “Alegria, alegria” arrematou cantando: “Caminhando contra o vento. Sem lenço e sem documento. No sol de quase dezembro. Eu vou! Eu vou, por que não?! Por que não?!” E assim, a alma do sertanejo se renova a cada pingo d’agua que cai a lavar a terra enxuta, esturricada, consumida até o esgotamento final.
Francisco de Assis Sousa é professor e cronista. Mestrando em Ciência da Educação pela Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias de Lisboa – Portugal. Email: frassis88@hotmail.com