O Sol se prepara para dormir quando D. Josélia, 49 anos, rega os canteiros de coentro, cebolinha, tomate, alface e pimentão. Do outro lado da cerca, a poeira solta cobre o horizonte, o chão rachado no leito do açude se mostra sem vida. Mas, na encosta do morro de terra dura, petrificada, tem um oásis; tem um oásis na encosta do morro de terra dura, petrificada; nunca me esquecerei de que na encosta do morro de terra dura, petrificada, tem um oásis. Um oásis de gente ‘petrificada’ pela dureza do labor, pela convicção de se manter viva, de caminhar com suas próprias pernas.
De posse do esterco de cabra faz-se o adubo. Com as mãos calejadas pelos anos de labuta faz-se o plantio, o mato seco protege as sementes do sol de Agosto. Com o nascimento dos primeiros fios, a porta se abre e agora é só ligar a bomba que faz subir a água do poço tubular que se encontra estacionado no vale das águas barrentas que arrastam os gravetos, em tempos de chuva. A trabalhadora avisa que há mais 18 anos vive daquilo e que, em dia de feira na cidade, chega a vender entre 150 a 180 molhos de verdura. Em Belém do São Francisco, no estado de Pernambuco, plantava tomate em larga escala antes de vir com a família para o sertão do Piauí.
“A vida só é dura para quem não tem coragem de trabalhar. Nunca passei fome. Meu marido tem a vista curta, mas, mesmo assim, me ajuda muito. Meus filhos também. Jamais entregarei o couro às varas,” afirmou com a voz firme, e completa: “o problema é que a água é pouca, a vazão do poço é pequena. Caso contrário, arriscaria a plantar cenoura e beterraba, como fazia antes.” Assim também é a rotina de Seu Francisco, 52 anos, 15 desses dedicado ao cultivo do famoso “cheiro verde”. “Nos dias de feira, acordo às 4h da manhã, arranco os pés de coentro e faço os molhos; encho o jacá, amarro na garupa da moto e vou embora,” fala com entusiasmo.
Do outro lado da estrada tem a plantação do Seu Zé da Verdura, todos na redondeza o conhecem por esse nome. Associam ao que mais gosta de fazer, escavar o chão, preparar o canteiro, regar, colher e vender na feira todos os fins de semana. Nunca reclama de nada. Tudo que possui na vida ganhou cultivando o terreno pedregoso. “Quando aqui cheguei e comecei a trabalhar com o serviço de horta, me chamaram de doido. Diziam que nesta terra, assim seca, não dava nada. Está aí a prova de que a persistência valeu a pena”.
Como já dizia Euclides da Cunha, em Os sertões, romance publicado em 1902, um dos marcos da moderna literatura brasileira, “o sertanejo é, antes de tudo, um forte”. Por traz daquela figura amena, aparentemente frágil, existe uma viga de cimento em carne e osso. Mais osso do que carne vestido de coragem e de esperança. Ao redor, só a aridez da encosta do morro de terra dura, petrificada, para lhe garantir o sabor da vida.
Francisco de Assis Sousa é professor e cronista. Mestrando em Ciências da Educação pela Universidade Lusófona de Lisboa – Portugal. Email: frassis88@hotmail.com