Quem já assistiu a alguém se afogando, observou o quão desesperadora é a cena, posto que aquele que se afoga tenta, de todas as formas, impedir sua imersão nas águas, não sendo incomum até mesmo morrer o que tenta salvá-lo, ao agarrar-se, desesperadamente, o socorrido a ele.
Com base na descrição acima, calha relembrar das primeiras cadeiras do curso jurídico, em que os acadêmicos são apresentados ao didático exemplo da “tábua de salvação”, a qual é disputada por dois náufragos, como único meio possível e necessário para continuar a vida que se avizinha de morte certa. Ensinam os doutos mestres do direito que matar em circunstância que tal não configura crime, visto que o bem maior, a vida, encontra-se em risco. A isso se chama, na literatura penalista, de estado de necessidade.
É com esteio nesse avoengo ensinamento jurídico que se faz célere análise do que comentou em redes sociais, recentemente, uma jornalista de afamado meio televisivo, que cotejava a votação recebida nos estados de São Paulo e do Piauí, referente a dois candidatos que disputam o comando do Governo Federal.
A jornalista cita números bastante díspares recebidos pelos dois candidatos, nos referidos estados, fazendo, ao final, um comentário inconcluso, representado por alguns pontos, demonstrando, aparentemente, sua indignação com o povo do Piauí, em virtude de a candidata da situação ter sido bem votada neste estado.
Adentrando a discussão, diz-se, primeiramente, que o afamado Bolsa Família, inquestionavelmente, constitui-se de um veraz mecanismo de captação legal de voto, favorecendo a candidata que comanda o Poder Executivo Federal. Agora, querer pôr a culpa em paupérrimos náufragos sociais, como forma de justificar o infortúnio eleitoral de candidato da simpatia da jornalista, com o devido respeito, é de uma visão turva e míope da realidade.
Voltando ao exemplo acima, ninguém que se encontra em mares revoltos, na iminência de se afogar, rejeitará, a toda evidência, qualquer tora de madeira, seja dada por benfeitor oriundo de estados “café com leite” ou dos recônditos grotões da federação, expressão esta cunhada pelo celebrado e festejado ex-presidente do Brasil, Fernando Henrique Cardoso, cuja agremiação política a que pertence, ainda hoje, pugna por ser o pai do programa de redenção dos pobres desta nação.
É forçoso repisar que qualquer Crusoé que conta, como única forma de sobrevivência, de uma exígua tábua em forma de papel, agarrar-se-á a ela de tal maneira que ninguém irá demovê-lo de se desvencilhar dela, nem mesmo em face de promessa de que lhe será fornecida outra mais espessa e segura no futuro. Quem assim se acha só abandona a sua tábua por outra melhor que está à sua frente, e não a metros ou quilômetros de distância.
Para citar à jornalista, os mais abastados e letrados do Piauí, por não dependerem do programa social supracitado, com base nas pesquisas eleitorais, talvez não tenham marchado, bovinamente, para as filas que concederam votação maciça à candidata da simpatia do povo pobre dos grotões.
Assevera-se, também, que, caso a culta e bela jornalista estivesse inscrita, como os milhões de náufragos sociais, que dependem de mísera tábua de salvação, que se chama Bolsa Família, para continuar a boiar em mares de fome e de desesperança, teria, fatalmente, visão mais meridiana e cristalina do porquê do infortúnio do candidato de sua simpatia no estado do Piauí.
Por derradeiro, sugere-se à jornalista de olhos com ascendência europeia que, em vez de querer culpar pobres náufragos sociais pela pífia votação do seu campeão e redentor, inicie campanha para modificar a legislação eleitoral que permite a captação legal de votos, consubstanciada nos programas sociais do Brasil.
Antonio Madson Vieira de Oliveira
Servidor Público Estadual – Picos-PI