“Senhor Deus dos desgraçados
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus?!"
(Castro Alves)
“O grito silencioso do cadáver de uma criança síria, de três anos, em uma praia turca, fez o mundo despertar para a tragédia humanitária dos refugiados que agora chegam a Europa,” assim começa a reportagem publicada pela revista Isto é, na edição de 9 de setembro de 2015, sete dias depois de mais um naufrágio nas águas profundas do mar Mediterrâneo que separa a fome, o medo e a guerra, do sonho de um lugar seguro para viver. Essa tem sido a batalha de milhares de asiáticos e africanos para transpor o ‘inferno’ que os perseguem em seus países de origem.
Nessa altura, é difícil eleger apenas um, dois ou mais culpados. O que se sabe é que de Janeiro a Agosto de 2015, mais de 350 mil novos imigrantes chegaram a Europa, 25% a mais que todo o ano passado. E, o mais curioso, é a atitude do Velho Continente que, ao invés de estabelecer uma forte e contundente política de inclusão, faz vista grossa, se considerarmos a gravidade do caos estabelecido.
Os números do desespero apontam que 6.698 refugiados são originários da Síria, Guiné e Costa do Marfim; 91.302 da Eritréia, Nigéria e outros países da África Subsariana; 132.240 são de origem afegã e paquistanesa e outros tantos da Líbia e da Tunísia. Para piorar, dados da ONU apontam que, em 2015, ao menos, 2.500 imigrantes ilegais morreram ou, simplesmente, desapareceram durante a tentativa de chegar ao Ocidente.
Historicamente, África e Ásia, principalmente a região onde se localiza o Oriente Médio, no maior continente do globo terrestre, funcionam como ponto de exploração econômica, política e militar dos países que dominam “essa terra de gigantes que trocam vidas por diamantes”. No entanto, a Europa não guarda na lembrança o seu passado sombrio, semelhante ao que os irmãos do Oriente ora padecem. Ao longo do século XIX e início do XX, cerca de 60 milhões de filhos teu cruzaram o Atlântico e vieram encontrar nas Américas, acima e abaixo da linha do Equador, a paz que tanto almejavam. Mais de 70% deles buscaram abrigo apenas em quatro países: Estados Unidos (27 milhões), Argentina (6,4 milhões), Canadá (5,2 milhões) e Brasil (4,9 milhões). Eram momentos distintos, é verdade, mas, a grande maioria deixava sua pátria-mãe fugindo de perseguição religiosa, da fome e da guerra. Assim como ocorre com a diáspora em curso.
Somos todos imigrantes, afirma a reportagem. O que dizer dos italianos, russos, poloneses e alemães que se estabeleceram na região Sul do Brasil? E dos japoneses, sírios e libaneses que ajudaram a construir São Paulo? Atualmente, o nosso país vive a Era do Gelo preferida por chineses e latino-americanos, principalmente dos caribenhos, oriundos do Haiti.
A imagem de Aylan Kurdi estendida na areia, como se estivesse a dormir o sono dos inocentes, foi apenas uma voz metonímica a ecoar mundo afora e alertar que é chegada a hora de “termos de volta todo ouro que entregamos a quem conseguiu nos convencer que era prova de amizade, se levasse embora até o que não tínhamos”.
Francisco de Assis Sousa é professor e cronista. Mestrando em Ciência da Educação pela Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias de Lisboa-Portugal. Email: frassis88@hotmail.com