Sexta-Feira, 14 de Novembro de 2025

ARTIGO: Orgasmo coletivo

Publicado em 01/02/2015
Por Marta Soares
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Francisco de Assis Sousa/Arquivo Pessoal


 

Pegou o ônibus em Copacabana com destino a São Januário. Era jogo do Fluminense. Durante o trajeto, em cada parada, aumentava o número de torcedores que lotava o transporte coletivo, inclusive, com muitas pessoas, em sua maioria homens, em pé. A cada minuto transcorrido, a ansiedade aflorava em gritos de guerra. O teto e o encosto das cadeiras eram utilizados como bateria. Um barulho ensurdecedor.

Na bilheteria, filas desorganizadas. Uma bagunça geral. O que se repetia nos portões de acesso. Os cambistas superfaturavam as entradas. Ingressos de cortesia comercializados. “Trinta reais. No local de venda é quarenta”. No interior do estádio, os expectadores disputavam, palmo a palmo, um lugarzinho, o melhor ângulo para assistir a partida.

Dentro de campo, vinte e dois jogadores perseguiam a pelota a fim de dominá-la e conduzi-la até o objetivo final: o gol que quando acontecia, uma explosão de adrenalina sacudia a arquibancada, as cadeiras, a tribuna de honra; em todos os setores da arena onde havia um coração batendo pela equipe que triunfava. Bandeirolas tremulavam, sorrisos desabrochavam, beijos no escudo que simboliza a agremiação, mãos para o alto, socos no ar, abraços com os compatriotas. O radinho colado ao ouvido ajudava a esclarecer o nome do felizardo que balançava a rede. Um orgasmo coletivo acontecia. O futebol é realmente uma grande paixão.

E para manter esta paixão, custa caro ao torcedor. Dominado pela emoção e para alimentar o ego, principalmente o mais humilde, faz das tripas coração para adquirir um artigo oficial. “Destas de meio de feira, eu não quero mais. Vou comprar uma camisa oficial”, afirma. Com isso, a fornecedora do material esportivo, quase sempre uma multinacional, fatura alto a custa deste amor que alimenta também os fabricantes de bebidas alcoólicas. “No dia do jogo, reunirei meus amigos, farei um churrasco e comprarei duas caixas de cerveja”, fala entusiasmado.

Alguns jogadores ganham fama e muito dinheiro. Na televisão, as placas de publicidade são mostradas a todo instante. As emissoras de TV enchem os cofres em contratos milionários.  A cartolagem, além de usar e, por vezes, roubar o sonho do torcedor, sucateia as divisas do clube. Más campanhas, derrotas por possuir um elenco fraco. “Onde está o dinheiro ganho com a negociação de Jorginho com o clube europeu?”, ninguém responde. Só o treinador é crucificado pelo baixo rendimento.

Constantemente, o futebol leva o apaixonado do céu ao inferno. O sorriso nas vitórias o que faz sair para o trabalho, no dia seguinte, com a marca do time vestindo o corpo. A pirraça com o rival. O grito de campeão e a crista baixa na derrota. “O arbitro deixou de assinalar um pênalti claro a favor da minha equipe”. E assim a vida segue, nas quartas e nos finais de semana, na arquibancada ou na telinha, vibrando com a conquista ou entristecendo com o fracasso. Só não perde nada o dirigente que sempre tem um atleta de ponta para negociar. Até a próxima rodada!


Francisco de Assis Sousa é professor e cronista. Mestrando em Ciência da Educação pela Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias de Lisboa – Portugal. Email: frassis88@hotmail.com

 

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