Quando adentrei a mata, o frescor dos galhos me cobriu em sombra. Aroeiras jovens, marmeleiros recém-nascidos, xique-xiques na flor da idade e o mandacaru faceiro esboçava um sorriso ao testemunhar o retorno da vida ao seu redor. O velho caminho de terra dura, agora sufocado pela água, calava a poeira que nascia unida as passadas largas do criador a tocar o rebanho de ovelhas e cabras com destino ao bebedouro. Aquele silêncio alegre somente era quebrado pelo cantar dos passarinhos que, escondidos nos galhos de folhagem nova, petiscavam, daqui e dali, o alimento diário e brincavam de viver.
A velha casa de alvenaria, cumeeira nas alturas, se mostrava aliviada com o brilho da aroeira de braços fortes, bem alimentados pelas neblinas leves das noites frias que lhe aqueceram as raízes. Agora voltava a sorrir pela força motriz dos ventos soltos das manhãs de dezembro. É muito simples ser feliz assim. Dançar no tapete verde que se estende por onde a vista alcança. Caminhar nas nuvens negras, pisar o capim fresco, enamorar o reflexo das árvores nas águas claras que se apoiam na encosta.
Nas margens dos reservatórios, um novelo de “escumas” brancas traduz a alegria dos sapos na noite anterior. O rebanho, por si só, procura atender o chamado da sede. À vontade, busca as pastagens mais ricas. No curral de varas secas, de estrume encharcado, apenas a metade dos ‘paus’ tece a porteira de mourão que protege, debaixo da latada, somente os filhotes recém-chegados que descansam e aguardam o momento apropriado para sugar, com vigor, o mamilo petrificado pela força do leite materno que lhe garante a existência.
No fim de tarde, o aboio ao longe acorda os ouvidos do gado. É hora de se dirigir a porteira do cercado. Os chocalhos cantam suavemente. As vacas estão preguiçosas e o pasto alegre. De barriga cheia, não é preciso ter pressa. “Deixa o vaqueiro cantar a música do seu ofício”. E lá se vão os bovinos a caminhar em fileira, em passo lento, é preciso dormir em casa. No chiqueiro das cabras, cabritos se divertem saltitantes, outros se alimentam das mães. As maiores se deitam a ruminar o alimento. É chegada a hora de repor as energias. Afinal, amanhã é um novo dia, e começa cedo, no cantar do galo.
O sertão é um mundo. Um mundo de cores e de magia. A marca da chuva o faz despertar do sono profundo de verão, de águas mansas, em córregos cristalinos a despejar no fundo do barreiro seco, de solo rachado o antídoto da vida. A vida que renasce no sorriso largo do homem do campo que se prepara para trabalhar a terra. Crente da existência divina, vislumbra ver o feijão ‘abotoando’, o milho ‘pendoando’, as primeiras vingas de melancia se manifestando, a abóbora e o jerimum em flor. O único desejo desse homem, acima de qualquer coisa, é continuar vivendo.
Francisco de Assis Sousa é professor e cronista. Mestrando em Ciência da Educação pela Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias de Lisboa-Portugal. Email: frassis88@hotmail.com