Quinta-Feira, 13 de Novembro de 2025

A saudade de um verdadeiro pai

Publicado em 28/10/2014
Por Marta Soares
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Tinha nove anos, dois meses e 23 anos de idade quando meu pai se foi. Era um menino puro, ingênuo, sonhador, que ainda acreditava em Papai Noel e que queria ser dôtô mas não sabia em quê.

Naquela segunda-feira (11 de janeiro de 1988) eu, meu irmão, Toinho (o ajudante do meu pai que estava com ele no acidente e se hospedara em nossa casa recuperando-se dos ferimentos) e Lurdinha (amiga da família que ficou cuidado da gente) dormimos na nossa casa, na Rua Tiradentes, em Picos. Dias antes, daquele mesmo lugar meu pai saíra para nunca mais retornar.

Sempre que meu pai viajava ele dava a nossa bênção, um hábito sertanejo que mantenho até hoje com minha mãe. Naquele dia a gente tinha saído para brincar (era férias) e não vira meu pai fazer mais uma de suas constantes viagens. Ele andava todo o Sertão nordestino fazendo negócios.

Só iria vê-lo novamente na tarde de 11 de janeiro de 1988: a pior tarde da minha vida. Naquele dia fomos acordados por Lurdinha bem cedo. Minha mãe estava em Teresina juntamente com minha irmã (então com 2 anos de idade).

Lurdinha disse que precisávamos viajar para Oeiras (cidade da minha mãe). No auge de nossa ingenuidade perguntamos apenas por nosso pai e ela disse que ele continuava em Teresina.

Viajamos e não perguntamos mais nada. Parecia mais uma viagem para que fôssemos acalmados sobre o estado de saúde do meu pai, internado na capital do Piauí após grave acidente na cidade de Paulistana.

Fomos para a casa do meu padrinho de batismo e lá passamos a manhã toda. Brincamos. Não nos disseram nada. Mas algo estava muito estranho, pois notava abatimento nas pessoas.

Foi aí que, por volta de meio-dia Toinho nos passou a real: nosso pai já não estava mais vivo. Naquele momento estava sendo colocado no caixão e despachado para Oeiras juntamente com minha mãe, minha irmã, um amigo da família e o motorista.

Nosso mundo desabou. Lembro que meu irmão, até então com sete anos recém completados, pouco entendeu. Mas eu entendi. Sabia que meu herói não retornaria mais para casa. Sabia que o grande homem da minha vida, o cara que sempre nos dava conselho, que sempre nos incentivava a estudar, que dizia que para vencer na vida tinha de estudar e trabalhar muito se fora.

Só lembro que no final da tarde o caixão chegou. Era um dia muito nublado, havia muitas ameaças de chuva. Tinha muita gente no velório, praticamente todos os amigos de meu pai, muita gente amiga da minha mãe e uma série de pessoas que nunca vira.

Não queria acreditar que era meu pai. Ele estava muito diferente. Meu pai era muito bonito e no caixão estava inchado, cabeça raspada e sem seu bigode (não lembro de ter visto meu pai sem bigode). Isso era fruto da cirurgia que tivera no crânio. Meu pai demorou muito a ser socorrido, pois foi roubado após o acidente. Não liberaram ambulância para Teresina, só para Picos. Sofreu muito para receber tratamento adequado em Teresina.

Tempos depois, investigando o caso, lembro que muita gente tentou ajuda-lo e até hoje rezo e oro por todas e todos (e foram muitas pessoas) que tentaram salvar a vida do meu pai.

Lembro também que não quis acreditar que era meu pai naquele caixão. Lembro que saí correndo dizendo que trocaram meu pai e lembro de uma senhora me consolando (até hoje não sei quem é). A senhora falara sobre a morte, exemplificara o caso de alguém. Não queria ouvir, só chorar. Talvez por isso até hoje eu seja chorão.

Dali não quis mais ver o caixão e só voltei a vê-lo lá no cemitério de Oeiras. Aliás, vi por poucos segundos, pois continuava sem acreditar na morte do meu pai.

Até hoje não gosto de ir a enterros. O barulho da terra batendo no caixão é o som mais ensurdecedor e cruel que já ouvi na vida. Lembro das quase 40 batidas, do som cada vez mais brando da terra sufocando o caixão e, literalmente, pondo uma pá nas esperanças de ver meu pai vivo novamente.

Vinte e sete anos se passaram. Minha mãe virou pãe. Com muito dificuldade nos criou, mas sempre nos passou honra. Hoje é nossa razão de existir. Nos formou e hoje consegue formar sua filha mais nova no mestrado. Todos os três filhos são formados, são pós-graduados, têm empregos dignos, são lutadores e se temos defeitos não é culpa dela.

Nossa mãe, que ficou viúva com 32 anos de idade (muito menos idade que tenho hoje) sacrificou esses 27 anos pela gente. Por isso fazemos muito por ela.

Convivi pouco tempo com seu Elmiro Berti, mas até hoje lembro seus ensinamentos.

Não gosto de rememorar sua morte, mas sempre rememoro sua memória, suas lições, lembro das vezes que pedia dinheiro para ele e ele nunca dava de cara, sempre perguntava para o que era e se fosse para livros, estudos, sempre dava em dobro ou em triplo. Ele valorizava muito o esforço. Lembro do orgulho dele quando tirávamos excelentes notas. Enquanto vivo: sempre nos viu com notas muito boas (em vários casos: notas máximas).

Pai: continuas vivendo em nossos corações! De onde o senhor estiver: lembre-se que nós o amamos e fazemos o máximo para continuar praticando suas heranças de dignidade, respeito e luta por um mundo melhor!

Orlando Maurício de Carvalho Berti

Jornalista, nascido e criado no Sertão do Piauí, andando e conhecendo um série de faces e interfaces na região de Picos. Professor efetivo (Adjunto I – DE), pesquisador e extensionista do curso de Comunicação Social – habilitação em Jornalismo da UESPI – Universidade Estadual do Piauí. Estuda atualmente fenômenos comunicacionais ligados ao Sertão nordestino. Ex-professor e pesquisador dos cursos de Jornalismo da UESPI de Picos e da Faculdade R.Sá. É doutor em Comunicação Social pela UMESP – Universidade Metodista de São Paulo – por onde também é mestre na mesma área. Fez recentemente estágio doutoral na Universidad de Málaga, na Espanha.

 

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