Quarta-Feira, 12 de Novembro de 2025

O avesso do avesso

Publicado em 08/05/2014
Por Marta Soares
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Logo que desembarquei em Brasília, antes de tomar o café da manhã, fui visitar uma banca de revistas. Curioso, busquei as notícias do dia anterior nos principais jornais do país. Ao direcionar para as demais seções, tive um breve encontro com Chico Bento, Cebolinha, Mônica Jovem e outras publicações do gênero. As principais revistas, editadas semanalmente no Brasil, ocupavam as primeiras fileiras e, acima, livros. Muitos livros. Procurei o Nobel, Vargas Llosa – A Guerra do Fim do Mundo, mas não encontrei; Umberto Eco, também não. Gabriel Garcia Márquez, nem sinal. Os poemas de Pablo Neruda, nada. Pensei nas crônicas de Ignácio de Loyola Brandão, nos romances de Lya Luft, também não se apresentaram.

Sem muita opção, fixei o olhar mais para a direita e lá estavam estampados em caixa alta com variadas cores e fontes: “Como influenciar pessoas poderosas”, apresentava o nome do primeiro livro. Em seguida surgiram: “A linguagem dos líderes, Brilho pessoal, Faça acontecer, Como se destacar no seu ambiente de trabalho, Além do sucesso, Brilho pessoal, Eu mereço ter dinheiro,” e outros. Bombardeado, fiquei impressionado com tamanha quantidade de obras desta natureza á disposição dos leitores.

Na cultura do ‘cada um por si e Deus por todos’, surge aqueles que irão cuidar de você. Dizer o que, e como fazer para conseguir sucesso e, consequentemente, felicidade. O mundo que gira em torno da propaganda, das redes sociais – facebook, whatsApp -, das músicas descartáveis, dos ‘amigos’ descartáveis, não há divisória entre o real e o virtual. A indústria fonográfica, por sua vez, prefere investir no ‘Show das Poderosas que descem e rebolam’; no ‘ Lepo Lepo’, no ‘Ricardão’. Nesta perspectiva, esses ritmos garantem o que realmente interessa ao capitalista, o lucro, e com pouco trabalho.

Certa vez, ouvi uma historinha contada por um amigo a respeito de qualidade na visão de um empresário do ramo da música. O sujeito era dono de uma banda de forró e, numa determinada ocasião, não pode contar com o sanfoneiro titular e necessitou procurar outro para substituí-lo numa apresentação agendada. Afinal, não podia deixar de cumprir o contrato. Constrangido, o artista sondado disse não estar à altura de realizar o trabalho solicitado. Em resposta, o forrozeiro disse: “Home, não se preocupe. Não precisa utilizar nem a metade do que você pode fazer. Eu te pago somente para abrir e fechar o fole. Finge que estar tocando e pronto,” e demonstrou para o rapaz o que precisavas fazer.

O mundo capitalista transformou o homem numa máquina perigosa. Com tamanha periculosidade, a realidade triunfante do materialismo trabalha ininterruptamente em prol da destruição do sonho, da utopia. Com pouca visibilidade de futuro, as pessoas se apegam ao fugaz, ao frenético, às receitas prontas para se tornarem bem sucedidas. Assim nascem os títulos que funcionam como válvula de escape de um tempo sombrio, a fim de suprir os campos vazios da alma e fazer renascer a autoestima.

Francisco de Assis Sousa é professor e cronista. Mestrando em Ciências da Educação pela Universidade Lusófona de Lisboa – Portugal. E-mail: frassis88@hotmail.com

 

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