Na infância, eu era um bom menino, como diziam os mais velhos. Não apelidava os amiguinhos, não provocava os loucos, não furtava mangas em árvores, não maltratava os animais. Uma rolinha, sequer matei. Claro! comi, mas passei dias me sentindo culpado, imaginando-me quebrando, com os dentes cariados, os ossos frágeis – porém gostosinhos – , do pobre pássaro.
Tive uma adolescência difícil. Nem as mocinhas me queriam, nem eu insistia. Nunca fui do tipo bonito, bonitinho ou mais ou menos: era feio mesmo! A feiura, na verdade, fazia parte de minha vida. Minha casa era feia, e minha professora também; eram feios meus irmãos; meus colegas feios eram bem feios; até a garota de quem eu gostava era feia (Ela se achava bonita, mas era feia!). Apesar disso, eu não me importava, porque eu era um bom rapaz, e, conforme Provérbios, “O homem de bem alcançará o favor do Senhor, mas ao homem de intenções perversas Ele condenará”.
Fui professor durante vinte anos, pois via na educação não só o meio de construção de uma sociedade justa, como também a área de maior reconhecimento de um profissional.
Na política, desde jovem, tive um papel preponderante em favor da democracia: ora presidente de associação de estudantes, ora gerente de rádio comunitária. Até pintei o rosto para pedir o impeachment do presidente Collor.
Pois bem! de bom menino, passei, ao olhos de muitos, a revoltado ou louco. De fato, não pode ser normal um indivíduo que sofre a dor dos outros. É muita estupidez ter a chance de desviar merenda escolar com a diretora, e o que faz é denunciá-la. É burrice demais poder ficar ocioso durante a aula, só papeando com as alunas; entretanto, vai é ficar, cada segundo, escrevendo e explicando. É ser muito idiota abrir mão de estar ao lado de políticos – desonestos que sejam – recebendo favores, para se opor, gratuitamente, a eles. Não poderia estar em sã consciência uma pessoa que não possua um “gato” na energia elétrica ou que devolva o troco lhe passado errado. Da mesma forma, é tremenda tolice um vendedor de leite não fazer render seu produto acrescentando a ele um pouco de água; ou um proprietário de restaurante não servir a um novo cliente as sobras da comida do cliente anterior. É tão maluco, senão otário, o cara que passa horas enviando mensagens de amor para uma mulher, que a trata carinhosamente e, o pior, que diz que a ama.
Logo, o bom é ser mau. Hoje em dia, durante a aula, passo a maior parte do tempo sentado. Levo trinta minutos para fazer a chamada; dez minutos falando sobre futilidades (festas, facebook, fuxicos); e nos dez minutos finais, encerro minha apresentação com chave de ouro: fico me gabando.
Não falo mal dos corruptos. Pelo contrário, puxo o saco e os defendo até a morte. Estou me lixando para o bem comum. Se me pagam, têm meu voto, ou melhor, têm o que quiserem de mim (Adoro!).
Quanto aos colegas de trabalho, dissimulo um bom relacionamento, mas vivo passando-os para trás. Implantar a discórdia entre eles é meu maior prazer.
Mulher, quanto mais, melhor! Sou um notável cafajeste. Outro dia, taquei cachaça numa garota, fotografei-a nua e postei as fotos nas redes sociais. E nada de presentes, de carinho, tampouco de “eu te amo”: eu as trato é na grosseria!
Não nutro o menor respeito pela lei. Dirijo na contramão, não paro no sinal vermelho nem antes da faixa de pedestre. Na verdade, quando vejo um transeunte, faço é acelerar o automóvel a fim de dificultar sua travessia. Certa vez, mirei o pneu do carro numa poça e atirei lama numa velhinha (Foi engraçado! rs).
Não ajudo a ninguém. Quando posso, tiro moedas de mendigo, doce de crianças ou dou murro em bêbados. Só penso em mim. Sou ganancioso, vingativo, mentiroso e invejoso.
Jamais espere de mim um favor, pois não farei. Não me convide à sua casa, que darei em cima de sua esposa. Não me conte um segredo, porque o divulgarei. Não me peça um copo d’água: cuspirei dentro. Não me vire as costas, que vou falar mal de você. Não confie em mim, pois posso destruir sua vida. E não me ame, porque nunca a amarei.
Por fim, caro leitor, pode fingir que gosta de mim, pois nunca gostei de você!
Este texto é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com fatos, pessoas e/ou nomes é mera coincidência.
Autor: Flávio de Ostanila. Disponível em: flaviojosepereira.blogspot.com.br