Segunda-Feira, 17 de Novembro de 2025

Confira os artigos da 64ª edição

Publicado em 09/11/2015
Por Marta Soares
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Orlando Berti e Francisco de Assis/Arquivo pessoal

A formanda que homenageou os pais carregando uma enxada. A voz de um outro Brasil
Por: Orlando Berti*

Ter um familiar alcançando a formatura em um curso superior é uma vitória mais que considerável. Se essa família tiver a primeira pessoa sendo formada, mais louros ainda. 

E se essa família for da roça, muito pobre, que comeu o pão que o diabo amassou durante décadas, e vê um ente querido chegando ao final de um curso universitário, é um fato a ser mais que louvado. Louva-se mais ainda o ato dessa pessoa reconhecer o seu passado e não sujeitar sua história de lutas para uma coitadinização. Essa pessoa nos mostra que os estudos têm dado voz a um outro Brasil até pouco tempo praticamente alijado das universidades.

Não é mais novidade um pobre ou alguém originário de lugares distantes dos grandes centros chegar à universidade. Cada vez mais pessoas de origem humilde terminam cursos superiores. Alguns chegam até a mestrados e doutorados. A maioria desses vêm transformando suas realidades.

A diferença é que muitos negam suas origens, têm vergonha de um passado de lutas e, mais ainda, rejeitam familiares.

A assistente social, e já já jornalista, Kauany Sousa, 24 anos, continua emocionando o Brasil. 

No início de abril, ao entrar na cerimônia de formatura do curso de Serviço Social em uma das universidades privadas da cidade potiguar de Mossoró, a jovem quebrou o protocolo. Com muito orgulho, reconheceu seus anos de luta, de continuar sendo filha de agricultores, de ter morado na roça, de ter passado mais da metade da vida residindo em lugares sem energia elétrica, de conhecer à fundo um Brasil geralmente negado por quem está no conforto das grandes cidades.

Ela está vencendo! Fez questão de carregar uma enxada, de chamar seus pais, irmãos e o esposo para compartilhar tamanha alegria. E ela não para por aí. Nos próximos meses concluirá mais uma graduação (a mais sonhada de todas, segundo ela): Jornalismo. 

Fará acontecer na construção de um Brasil via a luta diária. Mas com um curso superior e com a prática do que aprendeu na universidade, principalmente no fazer diferente.

Assim como o advogado piauiense Ismael Silva, que no ano passado também emocionou o Brasil ao carregar uma faixa em sua formatura (também homenageando os pais de origem humilde), que o exemplo de Kauany Sousa possa alentar quem pensa em desistir dos estudos. Que esses casos possam inspirar quem acha que não pode vencer pelo conhecimento, pela ética e pelo sentimento de transformação social.

A enxada carregada por Kauany continua elevada no ar, mostrando que um trabalhador, seus filhos, seus netos e qualquer um que more nesse país possa ter o mesmo direito e oportunidade de chegar a um ensino superior ou a qualquer outro lugar.

Viva os estudos! Viva a garra e o conhecimento!

* Jornalista e professor universitário. 

::::Artigo: Em nome de Deus e da minha família!

Demorei um pouco para decidir redigir essa crônica. Pois precisava digerir o que aconteceu, de fato, no dia 17 de abril de 2016, no plenário da Câmara dos Deputados, em Brasília. Não vem ao caso a dicotomia do voto a favor ou contra o impeachment da presidente da República, Dilma Rousseff, mas sobre a forma de manifestação e justificativa da grande maioria dos deputados daquela Casa, denominada do povo. 

Em discurso proferido no 9º Encontro Nacional Fé e Política, na Universidade Católica de Brasília, em novembro de 2013, e reproduzida pelo jornal O Estado de São Paulo, o teólogo e escritor, Frei Betto, assim se pronunciou sobre a formação de uma bancada com orientação religiosa no Congresso Nacional: “Estamos assistindo a certos segmentos religiosos chocarem o ovo da serpente”. Essa expressão vem do nazismo dos anos 30, na Alemanha. “O Estado e os partidos não devem defender religião nenhuma, mas respeitar a diversidade do pluralismo religioso”, disse, manifestando preocupação com a associação de igrejas a partidos políticos. “Existe no Congresso Nacional a bancada evangélica. Não tenho nada contra os evangélicos, e sim, contra essa bancada”. 

“Precisamos abrir o olho, pois está sendo chocado no Brasil um poder fundamentalista que cheira ao Nazi-fascismo, liderado por Hitler e Mussoline, na primeira metade do século XX”. Frei Betto explicou que o ideal é que os governantes sejam oriundos do povo e semelhantes a este: “Quem governa deve agir como aquele que serve. Esse é o maior testemunho de Jesus. O maior ato do Filho de Deus foi quando ele se ajoelhou para lavar os pés dos seus discípulos. Isso é o poder, colocar-se a serviço do povo”, concluiu o escritor.

O que o depoimento do frei tem a ver com o que assistimos na sessão do dia 13 de abril? Bancadas inteiras agiram politicamente em nome de um segmento religioso. E outros, por fingirem desconhecer o processo em julgamento, simplesmente, na maior cara de pau, evocaram o santo nome de Deus em vão. Lembrando que, antes, ofereceram o seu voto a familiares e amigos.

Ouvimos até Deputado Federal evocar torturador, em direta provocação à presidenta Dilma; e, ao mesmo tempo, sem o mínimo de pudor, macular a memória de centenas de vidas que foram ceifadas nos porões da Ditadura. Se não bastasse a cusparada de Jean Wyllys em Bolsonaro, assistimos parlamentares professarem palavras de baixo calão, aos olhos do mundo, quando se referiram ao presidente que conduzia aquele processo: gangster, corrupto, imoral e, literalmente, ladrão. Foi ridículo para não dizer trágico, a ação de vários outros que, ao declararem suas decisões, pronunciaram debochadamente um “tchau querida!” como se estivessem a despedir-se de uma amiga que hora se divertiam numa mesa de bar. 

Assistimos, na voz de nossos representantes, um Brasil muito longe de ser civilizado e digno de orgulho. O Brasil que presenciamos via satélite foi debochado, malandro, caricatural, sem postura e, sobretudo, sem o mínimo de respeito. Seria muito bom que analisássemos melhor o comportamento dos postulantes aos mandatos proporcionais que formam o legislativo brasileiro, a partir do município até a câmara federal. Caso contrário, estaremos assinando embaixo para que detratores da ética e da moral exerçam o poder em nome de uma gente que não sabe sequer aonde quer chegar. “Foi de chorar de vergonha!”.

Francisco de Assis Sousa é professor e cronista. Mestrando em Ciência da Educação pela Universidade Lusófona de Lisboa-Portugal. Email: frassis88@hotmail.com

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